Hoje sinto-me... Azul!

Gostei das botas! Encomendei-as! Tinham muito bom aspeto, além de a marca também estar associada (pelo menos na minha cabeça!) à qualidade.
Com a minha estranha mania de andar sempre à chuva, apanho molhas em cima de molhas, e preciso de umas botas à prova de água… E de lama… E de frio… E que me permitam fazer as minhas longas caminhadas! Aquelas tinham bom aspeto, um salto adequado, resistentes à chuva e ao frio, com pintas de leopardo para eu poder “soltar a fera que há em mim”… Quase tudo a favor!
Como é meu hábito, encomendei o número acima do meu, já calculando que iria usar meias grossas, eventualmente colocar as calças dentro das meias, e meias e calças dentro das botas… Preciso de espaço, as minhas pernas não são exatamente magrinhas… São robustas, como eu!
As botas chegaram! Ainda pareciam mais bonitas do que no folheto! Fiquei encantada, cheia de vontade de as experimentar; mas tive de esperar até à noite para o fazer.
E no dia seguinte, surpresa: chuva! Assim só para variar!
Claro que calcei as minhas meias grossas, pus as calças dentro das meias grossas e tentei meter tudo de enfiada dentro das botas… Não entrava! Respirei fundo e tentei de novo! Nada!
Já vi este filme tantas vezes, que o procedimento acertado é só um: pensar em coisas agradáveis enquanto se empurra o pé para baixo e se agarra a bota, puxando-a para cima… E resultou! Como sempre, aliás!
O ligeiro desconforto que senti foi rapidamente ultrapassado, afinal eu estava de “botas novas”… Nem o facto de a minha mãe me dizer que eu “parecia um cavador que vai lavrar para as terras” me desanimou… Eu conheço a minha mãe há muito tempo, e ela conhece-me a mim mais ou menos pelo mesmo tempo… Por si só o que ela me diz não é suficiente para me desanimar! Pelo contrário, dá-me mais ânimo, nem que seja para lhe demonstrar que eu é que tenho razão…
Posto isto, vesti a minha gabardina, coloquei a mochila às costas e arranquei para a chuva a todo o vapor… Ups, o desconforto nas pernas começou a aumentar… “Não, isto passa”, disse de mim para mim, “não é um desconfortozinho de nada que me vai impedir de usar as minhas lindas botas…”
Mais ou menos a meio do percurso tive de parar… Tinha umas dores horríveis nas pernas, parecia que me estavam a picar com uma chave de fendas… E os pés começavam a ficar dormentes… Que dores, senhores, mas eu de pedra e cal… A morder-me toda, mas sempre a andar… Cada vez mais devagar, é verdade, mas desistir não é propriamente a minha onda…
As dores iam piorando a cada passo que dava. Agora, não só me continuavam a espetar picaretas nas pernas, como também, para completar o cenário, começava a ter cãibras horrorosas… Eu nem sabia que se podia ter cãibras sem se sentirem as pernas… Ou, vamos, sem sentir os pés e sentindo as pernas numa prensa… Ou num torno, sim, era mais isso, como se tivesse as pernas presas num torno gigante que, ao mesmo tempo, as ia espetando com varetas metálicas…
Cada vez mais devagar, devagarinho, eu lá ia andando… O entusiasmo que sentira com as botas ia-se esvaindo na mesma proporção em que as pernas iam retendo o sangue que deveria estar a subir pelas pernas acima…
Parei no meio da rua! Tinha vontade de gritar, assim mais ou menos como o Tarzan! “Ahhhhhhhhh, ahhhhh, aahhhhhhhhhh!”… Gritei apenas mentalmente, se gritasse a sério ia parecer esquisito às pessoas que circulavam na rua àquela hora…
Continuei a andar, devagar, devagarinho… “Que raio de coisa, malditas botas, onde é que eu estava com a cabeça para comprar tal porcaria?” E nunca mais chegava… Também, àquela velocidade…
Finalmente cheguei! Eu ia dizer que corri para a casa de banho, mas nesta altura do campeonato eu já mal andava, quanto mais correr… Fechei-me na casa de banho e puxei a bota direita com todas as forças para baixo… Nada! Outra vez, agora com desespero… As calças prensadas dentro das meias mexeram um pouco… Mas a bota não saía!
Concentrei-me na imagem da minha perna livre, solta, liberta de prensas e de picaretas! E resultou! O raio da bota saiu! Atirei-me então à bota esquerda, agora já tinha o saber de experiência adquirido, a coisa foi mais fácil… Ou assim me pareceu!
Pude então admirar as minhas pernas livres! E fiquei assustada! Entre o tornozelo e o joelho, eu tinha nada menos que 6 bolsas disformes em cada perna, o que as tornava nuns trambolhos inchados e com bossas… Felizmente os pés não pareciam inchados, apenas dormentes…
Quando contei esta história a uma amiga, ela chamou-lhes “botas paralisantes”… E foi assim que, entre muitas gargalhadas, toda esta história ficou conhecida como “o estranho caso das botas paralisantes…”

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