Hoje sinto-me... Coral!

Propuseste-me um contrato. Aceitei. Afinal um contrato torna tudo mais claro, mais transparente, o que não significa necessariamente que seja mais fácil de cumprir... Apenas se torna mais fácil de seguir até percebermos exatamente onde estão as falhas... As omissões... As armadilhas... As tais letras pequeninas, microscópicas, invisíveis a olho nu...
Mas essas, claro, passam-nos sempre ao lado até... Até percebermos porque razão foram lá postas... E aí, lamento informar, é sempre tarde demais. Irremediavelmente tarde!
Bom, mas este era um contrato original! Pelo menos para mim, digo eu, que nunca antes havia passado por tal...
Sim, desses, onde o coração não é para lá chamado, onde não há sentimento nem envolvimento espiritual, apenas e estritamente o corpo como instrumento, a componente física da coisa, a técnica pura e dura, como uma dança extremamente perfeita mas sem paixão...
Aceitei, sabendo os riscos que corria, tratando-se de um jogo perigoso. Mas eu sabia jogar. Se há alguém que saiba jogar este jogo, esse alguém sou eu. Ascendi a uma posição de distanciamento tal que chego a pensar não ser humana. Pelo menos não tão humana como a maioria das pessoas, as tais ditas sensíveis, que  ainda não sofreram o suficiente e se podem dar ao luxo de amar e perder no jogo do amor. E podem expor a sua vulnerabilidade sem pudor, sem medos, podem entregar-se e, ao fazê-lo, tudo perder...
Mas não eu! Eu não posso perder, porque já perdi demais. Não me posso envolver, porque já me envolvi demais. Não me posso entregar, porque tudo me foi retirado. Não posso expor-me porque a minha vulnerabilidade sempre foi o meu ponto mais fraco, e a causa de todos os males.
Portanto treinei-me para o distanciamento, separando claramente as águas entre a ligação física e a emocional. Não me entrego, empresto-me a um momento, ou conjunto de momentos, findos os quais me afasto alegremente para recomeçar noutro lugar, num lugar onde nunca estou em permanência, apenas passo por lá...
Isto tudo para dizer-te que não me podes magoar... Lamento! Eu já lá estive, antes de ti, e não gostei do que vi. Decidi não voltar a esse sítio! Por isso não consegues levar-me lá! Por muito que tentes, não tenho ciúmes, não me importa o que faças, não me provocas dor, não consegues derrubar-me. Na verdade não passas de um passageiro no comboio da minha vida, e isso é tudo o que alguma vez serás para mim.
É por isso que me sinto tão tranquila perante a tua inquietude... Este é um jogo que não poderás ganhar-me nunca, simplesmente porque eu não estou lá: na verdade jogas sozinho, porque eu já me fui há muito...
Ah, e o contrato? Expirou! Morreu de morte natural, sem possibilidades de reanimação... O comboio partiu para o destino  seguinte e o passageiro, esse, ficou na estação!

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Hoje sinto-me... Azul!

Hoje sinto-me... Amarela!

Hoje sinto-me Vermelha!