Hoje sinto-me Amarela!

Um dia vi-te. Foi por acaso, um desses acasos que se nos deparam e nos fazem pensar se é obra de Deus ou do Diabo… Estavas com ela…
Caminhavam sem pressas, de mãos dadas, ela com um sorriso leve no rosto, tu com um ar ligeiramente enjoado, o ar que sempre assumiste quando te empurravam para as compras…
Fiquei escondida, a espiar-vos, tentando impedir o meu desvairado coração de me saltar descontroladamente pela boca…
Senti-me mal… Pela situação, pelo muito que sofri anteriormente, com o imaginário à solta, pensando como seria ela, o que teria a mais do que eu, se seria mais magra, mais nova, mais bonita, mais inteligente, mais… Qualquer coisa a mais, aquela pitadinha que faz a diferença num qualquer tempero…
Mas confesso que fiquei desiludida. Observei-a com atenção, do canto da minha coluna, e achei-a… Porque não dizê-lo? Vulgar…
Nem feia nem bonita. Nem velha nem nova (provavelmente da minha idade…), nem magra nem gorda… Inteligente? Sei que não se vê no rosto… Interessante? Talvez falando com ela… Simpática? Provavelmente, também não dava para extrapolar, dali do meu cantinho oculto…
Depois os meus olhos detiveram-se em ti… Não parecias feliz, nem mais nem menos do que antes, quando estavas comigo… Então, porquê?
Provavelmente ela teria outros recursos internos que eu estava longe de possuir, dei comigo a pensar… O príncipe Carlos também trocou a Diana pela Camila, e juro que não percebi qualquer vantagem naquela troca… Provavelmente os meus olhos e o meu coração não conseguem apreender certas coisas… Sim, deve ser um problema meu, muito meu…
Voltei a fixar-me no casal que vocês compõem… O sorriso já tinha desaparecido da cara dela, agora estava com um ar amuado… E tu, tu nem olhavas para ela e quase a arrastavas pelo corredor do centro comercial fora… Sempre odiaste centros comerciais, sempre odiaste fazer compras…
Pareciam agora um desses casais que se vê por aí: sem olhares românticos, daqueles de olhos nos olhos, sem compreensão no rosto, sem empatia pelo outro, sem qualquer tipo de comunicação a não ser as mãos firmemente dadas, como se estivessem atadas para se poderem puxar um ao outro…
E tu parecias cansado, farto de a puxar tentando arrastá-la dali para fora…
E eu, que sempre pensei que a culpa era minha… Que sempre assumi que talvez tivesse cometido um erro grave, daqueles imperdoáveis, que te tivesse levado a apaixonares-te por outra, muito melhor do que eu… Que sempre me senti uma falhada por ter falhado contigo…
Foi então que percebi tudo: talvez a culpa não fosse minha… Talvez a culpa não fosse dela… E se a culpa fosse tua? Da tua inconstância, da tua busca por experiências novas, diferentes, que te levassem a sentir o que já não se sente quando há rotinas instaladas… Sim, provavelmente seria isso.
Olhei para ti com outros olhos… Já estavam perto de mim… Pude observar bem o teu rosto com as primeiras rugas, o teu ar desanimado, o teu desinteresse total e absoluto pela pessoa que estava ao teu lado… E tive pena…
Então, num assomo de descaramento, saltei de detrás da coluna e plantei-me na vossa frente, com um rasgado sorriso irónico:
- Olá! – e avancei para te tascar dois beijos na cara, enquanto via pelo canto do olho os teus olhos arregalados de espanto e um brilhozinho de surpresa…
Ficaram especados a olhar para mim. O olhar dela saltava de mim para ti, tentando perceber que tipo de relação teríamos nós…
Não esperei que ma apresentasses. Eu não a queria conhecer. Por isso, sorri de novo, e atirei-te com um:
- Adeus! – e desapareci o mais depressa que pude.
Fiquei com um sorrisinho estampado no rosto o resto do dia…

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