Hoje sinto-me... Lilás!
- Como está? – Os
olhos dela devassavam-me a alma. Ela sabia como eu estava. Eu é que não
conseguia descrevê-lo.
Enquanto os olhos se
me alagavam, virei a cabeça num gesto inútil para que ela não me visse a
tristeza. O que se diz num momento assim? Que se morreu por dentro, que nada em
nós pretende prosseguir com absolutamente nada, que nos movemos roboticamente e
por ação puramente mecânica, mas que a vida, pelo menos aquilo a que
verdadeiramente chamamos de ‘vida’, já não existe, afundou-se, mergulhou nas
profundezas escuras de um desgosto descomunal? Não, não se pode dizer isto a
ninguém… Muito menos a uma psiquiatra desconhecida. Por isso permaneci em
silêncio.
- O que pretende
fazer? – A pergunta abalou-me como se tivesse levado um choque. Virei a cabeça
para ela, a surpresa estampada em toda eu. Mas afinal eu ainda podia fazer
alguma coisa? A sério? Fiquei a olhá-la, boquiaberta, tentando que o meu
cérebro entendesse aquela mensagem… Estaria ela a tentar devolver-me o controlo
sobre a minha vida? Mas… Tinham-me puxado o tapete! Eu tinha-me estatelado no
chão! Não me conseguia levantar! Não me conseguia mexer! Ou conseguiria?
- Porque – continuou
ela – dependendo daquilo que pretender fazer, assim iremos delinear a nossa
estratégia. Por exemplo, se pretender que ele volte para si, trabalharemos
nesse sentido. Assim como alguém o afastou de si, também poderá afastá-lo da
outra pessoa. Basta dizer-me que é isso que quer. Mas se quiser libertar-se,
será esse o nosso caminho. Só tem de me dizer o que pretende fazer.
A garra que me esmagava
o coração soltou-se como que por magia. Afinal eu tinha uma escolha!
De repente compreendi
que apenas a esperança me mantinha ancorada a um passado sem regresso: simplesmente
não era possível passar uma borracha sobre tudo.
Sorri. Estava livre!
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