Hoje sinto-me... Vermelha!
- Ah ah ah ah ah ah ah! Ontem estavas aí, esparramada na minha parede, a rir-te de mim!
E hoje tirei-te, apaguei-te, arranquei-te desse lugar de destaque que nem
sequer merecias e onde eu nunca te deveria ter colocado! Agora serás relegada
para o lugar que verdadeiramente mereces: o lixo! Um brinde à tua nova posição!
Viva! – E ergueu o copo bem alto antes de o levar aos lábios para mais um
prolongado gole.
Preocupada, Madalena
entrou no pequeno atelier onde Manuel, obviamente embriagado, prosseguia
afanosamente a sua dissertação para a parede branca e vazia.
- Manuel, vá, já
chega. Pintaste a parede, ela já não está aí, pronto. Acalma-te lá e descansa
um bocadinho.
- Descansar? Tu achas
mesmo que eu consigo descansar depois disto tudo? A sério? Claro que não
consigo descansar. – E Manuel literalmente escorregou para o chão, na mão
segurando firmemente o copo quase vazio. – À tua, Madalena! Brinda comigo!
- Está bem, mas só
porque tu mereces. – Madalena foi buscar um copo para si, agarrou na garrafa
praticamente vazia e sentou-se no chão ao lado dele. – Então brindemos à tua
nova liberdade! Tchim tchim, meu amigo!
- Tchim tchim! – Os
copos entrechocaram-se suavemente, aliás com uma suavidade estranha, dada a
quase descoordenação de Manuel. – Sabes, Mada, a minha mãe sempre me disse que
eu devia era ter ficado contigo… A minha querida mãe… Ela é que sabia - E uma
lágrima escorreu-lhe pelo rosto bem desenhado, de traços finos e viris onde se
enquadravam uns profundos olhos castanho avelã.
Madalena sentiu-se
encolher. Sempre se refugiara naquela relação tão friend zone, tão confortável e tão simples. Sim, a mãe de Manuel pressentira
a verdade antes mesmo de si própria. E o tempo decorrera impiedosamente. Tanto
tempo desperdiçado… Toda uma vida perdida… Seria já tarde demais?
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